Talvez demore para Christopher Eubanks assimilar o giro absurdo que sua carreira deu ao longo de 2023. Após quase uma década sendo um jogador de nível mediano e que na maior parte do tempo não ficava sequer no top 200, o tenista estadunidense de 27 anos conquistou “de repente”, seus resultados mais expressivos: seu primeiro título de nível ATP e as quartas de final de Wimbledon – feitos que são suficientes para que ele passe a ser conhecido pelo esporte que pratica, e não apenas por ser comentarista de TV nos Estados Unidos e por ter sido dublê do ídolo Arthur Ashe em um documentário.
Eubanks era uma grande promessa no circuito universitário dos EUA, tendo sido nomeado por duas ocasiões o tenista do ano quando defendia a universidade Georgia Tech, em 2016 e 2017. Embora tenha estreado ainda em 2015 em partidas de nível ATP, a sua transição para o profissional não saiu como o esperado e a carreira não deslanchou. Ele se limitava basicamente a disputar torneios de nível challenger (inclusive vencendo alguns) e qualifyings e primeiras rodadas de ATPs e Grand Slams. Até 2023.
Chris Eubanks começou o ano na posição 123 do ranking e entrou para o top 100 em abril, depois de furar o qualifying do Master 1000 de Miami e atingir as quartas de final. Ele parece ter embalado a partir de então, vencendo em junho na grama o ATP 250 de Mallorca e chegando a Wimbledon como o número 43 do mundo. E o estadunidense, que até o US Open de 2022 nunca havia passado da primeira rodada de um Grand Slam, impressionou na grama londrina.
Após estrear em Wimbledon com vitória de virada sobre o brasileiro Thiago Monteiro, Eubanks superou dois cabeças de chave em seu caminho até as quartas de final: o britânico Cameron Norrie (12º) e o grego Stefanos Tsitsipas (5º). Contra o russo Daniil Medvedev, terceiro principal favorito, ele chegou a estar a um tie-break da vaga na semi, mas sofreu a virada e acabou derrotado por 3 sets a 2, com parciais de 4/6, 6/1, 6/4, 6/7 (4-7) e 6/1.
“Estou curtindo muito este momento, talvez o mais divertido que eu já tive no tênis. Quero continuar aproveitando, vamos ver aonde isso vai me levar”, disse Eubanks depois da eliminação em Wimbledon.
Comentarista de TV, Eubanks já pensava em um plano B para o tênis
Antes de 2023, Chris Eubanks tinha claro para si que a carreira não havia deslanchado. À época com 26 anos e fora do top 100, ele assinou contrato para ser comentarista do canal especializado Tennis Channel, dos Estados Unidos. E tinha futuro, de acordo com o jornalista e colega Joe Wertheim, em entrevista ao jornal inglês The Telegraph.
“Já tivemos outros tenistas que apareciam pelo canal quando estavam machucados, mas o Chris era diferente. Ele estava fora do top 100 e via esse emprego como sua próxima etapa da carreira, não era só uma brincadeira. Ele se preparava de verdade e sempre tentava melhorar”, elogiou.
O tenista, que se aproximou do top 30 do ranking da ATP depois do desempenho de Wimbledon, talvez tenha que suspender o contrato com a emissora no segundo semester de 2023 – afinal, ele tem chances de até mesmo entrar como cabeça de chave no US Open.
A zebra de Wimbledon também foi dublê de um ídolo: Arthur Ashe
Outra “boquinha” de Eubanks envolvendo tênis e televisão foi a aparição como dublê de Arthur Ashe nas cenas de tênis no documentário “Cidadão Ashe” (Citizen Ashe), lançado em 2021 e disponível no streaming HBO Max. O filme conta a história do tenista estadunidense campeão de três títulos de Grand Slam (inclusive Wimbledon, em 1975) e que teve importante papel ativista na época.
Em 1968, Ashe foi o primeiro tenista afroamericano a conquistar o US Open e, ao longo da vida, teve papel importante na luta por igualdade social e direitos humanos. Ele, que dá nome à principal quadra do complexo de Flushing Meadows (que é palco do Aberto dos EUA), morreu em 1993 após complicações decorrentes da Aids – ele contraiu HIV durante uma transfusão de sangue recebida em 1983, quando implantou um marcapasso no coração.
WhatsApp de campeã “mudou a chavinha” de Eubanks na grama
Um detalhe curiosíssimo sobre a carreira de Eubanks: ele odiava jogar na grama, e essa sensação piorou depois de cair na segunda rodada do Challenger de Surbiton de 2023 para um tenista com muito menos ranking que ele.
Mas parece que as coisas mudaram depois de uma conversa por WhatsApp com uma grande amiga – e que tinha bastante cacife para aconselhá-lo: ninguém menos do que Kim Clijsters, a tenista belga ex-número 1 do mundo em simples e em duplas e que também foi campeã de duplas de Wimbledon em 2003.
“Kim, a grama é o piso mais estúpido pra jogar tênis”, desabafou Eubanks, que compartilhou o print da conversa em sua conta no Instagram. “Quer dizer, eu estou frustrado com os quiques inconsistentes da bola quando eu tento me antecipar. Além disso, a grama é lenta e leva embora toda a eficácia do meu saque. Acho que vou ter problemas até voltar para as quadras rápidas”.
Clijsters acolheu a reclamação do amigo e aconselhou: “eu entendo a sua frustração, na minha época eu também tinha dificuldade. Mas fica tranquilo, tenta fazer uns trabalhos de pé nos treinos, jogue um pouco de mini-tênis”.
Aparentemente deu muito certo. E Eubanks, hoje, faz até piada disso. “Aquelas palavras sobre odiar a grama nunca mais vão sair novamente da minha boca no resto da minha carreira. Agora esta superfície é minha melhor amiga”, brincou, em declaração reproduzida pelo jornal inglês The Mirror. À agência Reuters, ele disse que cogita até dar comissão para Clijsters pela ajudinha.
“Olha, se ela pedir, com certeza vai ganhar. Foi uma contribuição enorme e me ajudou a manter a cabeça tranquila em momentos complicados. E aquela pessoa que mandou mensagem para ela dizendo que detestava a grama não existe mais. Agora eu amo”, emendou.